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sexta-feira, outubro 8

Mario Vargas Llosa

Trecho de (A Guerra doFim do Mundo)

O homem era alto e tão magro que parecia estar sempre de perfil. Sua pele era escura, seus ossos, proeminentes, e seus olhos flamejavam com um fogo perpétuo. Usava sandálias de pastor e a túnica roxa que lhe caía sobre o corpo lembrava o hábito daqueles missionários que, vez por outra, visitavam as vilas do sertão batizando multidões de crianças e casando os pares amancebados. Era impossível saber sua idade, sua procedência, sua história, mas havia algo na sua expressão tranqüila, nos seus costumes frugais, na sua imperturbável seriedade que, antes mesmo de começar a dar conselhos, atraía as pessoas.
Aparecia de repente, a princípio sozinho, sempre a pé, coberto da poeira do caminho, de tantas em tantas semanas, ou meses. Sua silhueta longilínea se recortava na luz crepuscular ou nascente quando atravessava a única rua do povoado, a passos largos, com uma espécie de urgência. Avançava decidido entre cabras que chocalhavam, entre cachorros e crianças que abriam passagem e o observavam com curiosidade, sem responder aos cumprimentos das mulheres que já o conheciam e faziam reverências e corriam para lhe trazer jarros de leite de cabra e pratos de farinha e feijão. Mas ele não comia nem bebia nada antes de chegar à igreja da vila e constatar, mais uma vez, uma de tantas vezes, que estava em ruínas, descascada, com as torres semi destruídas, as paredes esburacadas, os pisos levantados, os altares roídos pelos vermes. Seu rosto se ensombrecia com uma dor de retirante a quem a seca matou os filhos e animais e privou de bens, e agora precisa abandonar sua casa, os ossos dos seus mortos, para fugir, fugir, sem saber para onde. Às vezes chorava, e no pranto o fogo negro dos seus olhos recrudescia em terríveis cintilações. Começava logo a rezar. Mas não como rezam os outros homens ou mulheres: deitava-se de bruços na terra ou nas pedras ou nas lajes lascadas, bem diante de onde era ou tinha sido ou deveria ser o altar, e orava, às vezes em silêncio, às vezes em voz alta, uma, duas horas, observado com respeito e admiração pelos moradores. Rezava o credo, o pai-nosso e as ave-marias conhecidos, e também outras rezas que ninguém tinha ouvido antes mas que, ao longo dos dias, dos meses, dos anos, as pessoas iriam memorizando. Onde está o padre?, ouviam-no perguntar, por que não há um pastor aqui para o rebanho? Pois não encontrar um sacerdote nas vilas o afligia tanto como o abandono das moradas do Senhor.
Só depois de pedir perdão ao Bom Jesus pelo estado de sua casa ele aceitava comer e beber alguma coisa, apenas uma amostra do que os moradores do lugar insistiam em oferecer, mesmo nos anos de escassez. Aceitava dormir em baixo de um teto, em alguma das moradias que os sertanejos punham à sua disposição, mas raramente era visto deitado na rede, no catre ou no colchão de quem lhe oferecia hospedagem. Deitava-se no chão, sem nenhuma coberta, e, apoiando no braço sua fervilhante cabeleira cor de azeviche, dormia algumas horas. Sempre tão poucas, que era o último a se deitar e, quando os vaqueiros e pastores mais madrugadores saíam para o campo, já o viam, trabalhando na restauração das paredes e dos telhados da igreja.

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